quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

INTERCULTURALIDADE: UM DEBATE INADIÁVEL

2008 é o Ano Europeu do Diálogo Intercultural.
Nunca, como actualmente, se impôs com tamanha premência uma reflexão aprofundada sobre o diálogo entre culturas, a relação entre vizinhos, a gestão da diversidade.
São várias as razões que conduziram à emergência desta nova agenda. Avultam, entre outras, o “achatamento” do mundo[1], a intensificação dos movimentos migratórios[2], a violência interétnica e a intolerância entre povos[3], as pulsões contraditórias de hibridação cultural e de identidades predatórias[4].
Dito de outro modo, as categorias analíticas de compreensão do mundo da velha ordem industrial são inadequadas – e manifestamente insuficientes – para descodificar o mundo da nova ordem pós-moderna, individualista, complexa e intercultural.
Nas palavras argutas de A. Touraine[5] assiste-se ao fim da sociedade e ao nascimento do “sujeito” – antes o indivíduo era produzido pela sociedade, nos seus comportamentos e no seu pensamento; agora, o contrário é que é verdade. O sujeito é o protagonista do novo paradigma, entendido como alguém que procura criar-se a si próprio, que se forma na vontade de escapar às forças, às regras, aos poderes que nos impedem de ser nós mesmos e na vontade de ser actor da sua própria existência. Vivenciamos o ascenso do individualismo radical e, em concomitância, a era da afirmação da especificidade cultural.
O “paradigma social”» (séculos XIX e XX) está em vias de ser substítuído por um novo “paradigma cultural” (século XXI). Os direitos culturais constituem o pivot do novo paradigma. Estes não se confudem com os direitos políticos, posto que se estes últimos devem ser atribuídos a todos os cidadãos, aqueles protegem, por definição, populações particulares. Emergem novas categorias interpretativas cerzidas em torno de três ideias-chave: (i) a decomposição da ideia de sociedade ou declínio do social, (ii) o avanço não controlável de forças supra-sociais (v.g. guerra e mercado), (iii) o aumento das reivindicações culturais.
Pairam no ar perguntas difíceis mas, nem por isso, menos pertinentes:
· Como levar as culturas a dialogar entre si?
· Podem os códigos universais (ex. direitos humanos, modelo de governação democrática, ética de sustentabilidade planetária) constituir-se em base duradoura de legitimidade supracultural para impor ordem no mundo?
· Será possível superar o risco maior do pluralismo sem convicção e do multiculturalismo sem integração?
· Como construir capital social em sociedades crescentemente atomizadas e fragmentárias?
· Será viável aspirar a uma cidade genuinamente intercultural alicerçada na confiança e na cooperação entre diferentes?
· Afigurar-se-á viáve repensar um novo contrato social de cidade que a refunde a partir de uma nova vizinhança local?
· Serão reabilitáveis as instâncias básicas – e tradicionais – de socialização primária: família, igrejas, escola?
· Haverá lugar a uma didáctica da interculturalidade capaz de viabilizar uma aldeia global onde a arte de viver juntos se cultiva em permanência?
· Fará sentido reinventar a aventura comunitária assente em novos pressupostos de inclusão e de pertença múltiplas?
· Será viável desacoplar cidadania e nacionalidade na busca de novos paradigmas de gestão inteligente dos fluxos migratórios?
· Poderá a humanidade reabilitar a cultura e o diálogo intercultural como chave de interpretação “espessa” da realidade?
· ...
O Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa ( CEPCEP) nasceu há 25 anos sob o signo do encontro de povos e de culturas. O seu ADN académico e a sua vocação intelectual vêm marcados pela efectivação desse mandato irrenunciável.
O CEPCEP e os seus responsáveis empenhar-se-ão, por todos os meios ao seu alcance, por fazer do ano que hoje se inicia um novo tempo no aprofundamento do diálogo sem fronteiras e na celebração do mistério conjugado da unidade e da diversidade da condição humana.
Oxalá este convite à partilha dialógica possa contagiar outros a fazerem desta oportunidade um espaço de densificação de ideias e um tempo de debate elevado.
Continuamos a acreditar que as boas ideias – e as boas pessoas – podem mudar o mundo para melhor.

Lisboa, 1 de Janeiro de 2008

Roberto Carneiro
Presidente da Direcção
CEPCEP
[1] Friedman, T.L. (2005). O Mundo é Plano – Uma História Breve do Século XXI. Lisboa: Actual Editora.
[2] Carneiro, R. (2007). Europa: O Desafio da Diversidade e do Acolhimento. Lisboa: Conselho Económico e Social (mimeo).
[3] Huntington, S.P. (2006). O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial. Lisboa: Gradiva.
[4] Carneiro, R. (2001). «Choque de Culturas ou Hibridação Cultural», in Fundamentos da Educação e da Aprendizagem. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.
[5] Touraine, A. (2005). Um Novo Paradigma –Para compreender o mundo de hoje. Lisboa: Piaget.





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